Panquecas doces recém saídas da frigideira para o café da manhã, são para mim comida de conforto. Quase não as desejo em dias ensolarados e cheios de planos. A vontade de fazê-las me vem em dias como hoje em que acordo e pela parede de vidro inteira que é a minha cozinha mal posso ver as montanhas e o céu logo acima da minha cabeça (moro no ultimo andar de um alto edifício) está cinzento e triste. O mar, que observo todos os dias com uma xícara de café nas mãos, também se tinge desta cor mórbida retirando de mim o interesse por minha longa caminhada matinal.
As panquecas descobri já no início da minha vida adulta, mas, certamente o prazer que me causam deve se dar ao desejo reprimido de comer os bolos recém tirados do forno por minha mãe que nos dizia que comê-los assim nos causaria dores de barriga.
Hoje, infortunadamente deixei queimar as duas primeiras, pois minha cabeça estava voltada para os efeitos provocados em mim pela leitura do recém lançado livro do meu amigo Pedro André Kowacs que passei a madrugada lendo.
Pedro é um respeitado, competente e admirado neurologista gaúcho atuante em Curitiba PR. Tive o prazer de conhece-lo e a Lúcia, sua esposa também médica, uma mulher adorável, meiga e inteligente como poucas que já conheci, em um jantar preparado para um grupo de amigos pelo meu marido Ronaldo, na época ainda namorado.
Os dois formam aquele casal que passados mais de vinte anos de convivência, é perceptível ainda os olhares de carinho, a sensualidade embutida nos gestos, a promessa velada de romance nos sorrisos e olhares discretamente trocados.
A amizade cresceu em tantos outros encontros regados a boa comida e bons vinhos. Anos atrás, o Pedro nos revelou que estava escrevendo um livro de ficção. Recentemente os recebemos para um agradabilíssimo fim de semana, onde ele nos trouxe o convite para o lançamento de seu livro: A caneta de Borges e outras histórias.
Infelizmente, por uma questão de saúde não pude comparecer, mas, o Ronaldo se fez presente por nós e hoje tenho em minhas mãos devidamente dedicado e autografado um exemplar de um livro tão surpreendente, que me provocou tão profundas reflexões e me fez desejar escrever este texto, não sei se como forma de compartilhar esta experiência ou para agradecer o autor por ter colocado sua brilhante mente a serviço da literatura, minha paixão indelével.
O objetivo desta minha escrita não é fazer uma resenha crítica sobre o livro e sim expressar minhas emoções ao lê-lo.
Pedro é um apaixonado pela obra de Jorge Luiz Borges, autor argentino célebre com uma obra grandiosa e imortal, que só tive o prazer de conhecer depois dos quarenta anos infelizmente. Comecei a ler os livros de Borges de forma cronologicamente inversa. Li o livro de areia e me encantei imediatamente. Hoje, estou na tentativa de controle de mesclar Borges com tantas outras leituras da minha infindável biblioteca desejada.
Na obra de Borges o meu amigo se inspirou para escrever seu primeiro livro de contos, numa erudição que só os experientes no vasto mundo literário poderia conceber.
No primeiro conto, a caneta de Borges o narrador, como Pedro, tem em Borges seu ídolo e inicia uma desenfreada busca pela caneta, que teria sido uma espécie de caneta mágica, que Borges usou para escrever sua estupenda obra.
A narrativa se desenrola um tanto eletrizante pelas ruas de Buenos Aires e de volta a Londres de onde ele havia partido para a missão.
Pedro escreve para iniciados na literatura. Seu conhecimento é tal que os poucos experientes se verão talvez perdidos em meio as suas citações e reflexões tão profundas.
Li a história com um desassossego agradável e uma ansiedade para obter para mim também aquela caneta mágica que seria a realização do sonho maior de um aspirante a escritor.
Ainda no início do conto, já tenho um primeiro impacto reflexivo onde o narrador diz que “uma espera nada mais é do que a versão passiva de uma busca”.
Somente as reflexões em mim causadas por esta frase tornaria este texto longo demais para um post de um blog de gastronomia.
O conto prossegue com o encontro do narrador com personagens tão marcantes, de uma riqueza narrativa de diálogos que me fez pensar porque o Pedro demorou tanto a publicar seu livro. A resposta, ao meu ver, está no segundo conto “o livro dos sonhos”.
Um dos personagens transmite ao narrador uma mensagem que levará ao surpreendente desfecho do conto. “Sem dúvida, se há algo que tenho aprendido na vida é que o único objetivo que importa é saber o que quer a nossa alma, saber o que quer nosso coração”.
Ao terminar o conto eu estava tão extasiada que decidi que valeria a pena imediatamente uma releitura, agora mais calma e reflexiva. O que atrasou o meu encontro com uma adorável surpresa no segundo conto. Nós estávamos lá! O Ronaldo e eu éramos participantes do enredo permeado de realidade e ficção onde Pedro recebe um livro misterioso que o faz voltar a ter sonhos.
Sonhos reais ou daqueles que sonhamos acordados? Não sei. Ainda vou perguntar.
No meio do conto tive uma percepção de que o livro inteiro tratava-se da escrita e do prazer e da dor de deixar seu livro ir para o mundo. Mas, essa deve ser uma perspectiva pessoal, porque também eu escrevo e pouco consigo libertar meus textos.
Acredito que cada um encontrará nas cento e vinte páginas seus próprios anseios e reflexões sobre nossa tão fugidia vida.
Em algum momento o livro me remeteu à lembrança de um outro livro sobre a escrita: Se um viajante numa noite de inverno de Ítalo Calvino. Este livro marcou um importante momento da minha vida que foi a decisão de começar a escrever. Agora, o livro do Pedro marca outro momento que é a tomada dolorosa da decisão de passar para frente, como em seu conto, o meu próprio livro dos sonhos.
Primorosamente Pedro encerra seu livro nos levando a refletir sobre os encontros que temos na vida e a valorização das pequenas coisas, dos pequenos prazeres.
Uma fórmula que infelizmente só aprendi diante da dor do luto e da luta contra nosso fim inevitável, a morte. Ainda bem que ainda é cedo e há muito ainda a viver e desfrutar encontros, bons livros, amigos e o amor que cedo encontrei e com ele quero viver tudo o que há pra viver.
Obrigada Pedro.
Vamos a receita das minhas panquecas doces.
INGREDIENTES
100 gramas de farinha de trigo,
2 ovos,
3 colheres (de sopa) de açúcar,
300 ml de leite,
2 colher (de sopa) de manteiga (derretida),
1 pitada de sal
PREPARO
Coloque em um bowl a farinha peneirada, o açúcar e o sal,
Junte aos poucos os ovos mexendo sempre com um fouet,
Despeje o leite mexendo sempre para que a massa fique lisinha, sem grumos,
Por fim adicione a manteiga (reserve meia colher para untar a frigideira) derretida mexendo até incorporar,
Para evitar que fique algum grumo de farinha passe pela peneira.
Leve uma frigideira de fundo plano e antiaderente para o fogão, coloque um pouquinho de manteiga no fundo da frigideira,
Com uma concha pequena derrame a massa na frigideira e espalhe de forma que a massa fique bem distribuída, eu gosto mais grossinha.
Cozinhe em fogo médio, assim que a base estiver sequinha vire a panqueca para secar o outro lado,
Repita o processo até terminar a massa.
Eu gosto de comer a panqueca pura e mais doce. Você pode rechear como desejar com geleias de frutas, doces ou chocolate. Neste caso recomento que diminua o açúcar para uma colher apenas.